sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Em Busca do Baralho Perfeito IV... (uma comparação) - parte 2

Continuando o post de ontem, onde fiz comparações entre quatro baralhos diferentes tentando verificar qual seria o mais apropriado entre os Tarôs de Marselha. Já falei da decepção com o baralho de Jodorowsky/Camoin criada principalmente por causa de todas as promessas de redescoberta dos símbolos, do propósito e do significado "deste monumento da cultura ocidental"... que no fim se mostraram vazias.

Baralho de Sanchez/Rodes
Vejo, que em parte eles alcançaram o objetivo de restauração, principalmente em relação às cores, mas de resto... A dupla editou um novo baralho de Marselha, portanto não é uma restauração de um baralho antigo! E a outra dupla Sánchez/Ródes faz o mesmo, adicionando uma cor (horrível) de fundo nas cartas. Repito, infelizmente não há entre estes dois produtos um baralho restaurado, o que há são modificações visando a exclusividade para que se possa cobrar os devidos direitos autorais.

Quando alguém clama haver restaurado algo à sua condição original, o mínimo que se espera é uma evidência do que é considerado como original. No seu livro La Vía del Tarot Jodorowsky conta que o baralho original foi encontrado por eles no México, porém em nenhum momento este baralho foi exposto e pior ainda não é revelado nenhuma informação sobre quem , quando e onde este baralho foi feito. O máximo de informação que Jodorowsky dá sobre o baralho é que ele é de um traçado como o de Marselha, porém pintado à mão. E assim, foi usado como base para a reconstrução das cores originais.

Para os detalhes que não constam no baralho de Conver, Jodorowsky diz que “a versão de Nicolas Conver de 1760, possivelmente continha erros e omissões”. A premissa é a de que os impressores originais eram iniciados em uma tradição secreta (exatamente qual ele não diz) e quem não fosse um iniciado faria somente uma cópia, suprimindo detalhes importantes. Então o trabalho dele e de Camoin foi o de sobrepor diversos baralhos diferentes e assim verificar quais símbolos apareciam em uns e desapareciam em outros.

Diversos estudiosos do Tarô fizeram algo parecido com o que a dupla fez e verificaram que eles não só acharam supostos símbolos "perdidos" por impressores não-iniciados descuidados, assim como transformaram detalhes que originalmente eram dúbios em certezas absolutas. O “ovo” da Papisa, supostamente está no baralho de Suzanne Bernardin (1839) - ao lado - olhe você mesmo a carta e tire suas conclusões. As serpentes na carta Temperança, estão realmente lá? O tetragrama sagrado no esqueleto da morte?  De onde vieram? A porta da Maison Dieu está no baralho impresso por Jean Jerger (1800-1825) e no de Renault em (1820-1840) - ambos abaixo - que nem são baralhos tão antigos.

Relatos dos que participaram dos cursos ministrados por Philippe Camoin, informam que diversos detalhes nas cartas corroboram a lenda de Maria Madalena como portadora da semente de Jesus. Uma prova disso estaria no símbolo cristão do peixe no lago da carta Lua que dirige-se ao útero da personagem feminina (Madalena) da carta anterior, a Estrela.

Já o baralho da dupla de espanhóis Daniel Rodés e Encarna Sánchez o Tarot de Marsella supostamente possui “os antigos ícones do Tarô reconstruídos”. É praticamente um clone do baralho de Camoin/Jodorowsky. Porém, da mesma forma que a outra dupla, também adicionam detalhes que irão corroborar uma teoria/lenda: a Lenda dos Cátaros, de Maria Madalena etc. A história deste baralho inicia-se quando seus criadores separaram-se da casa impressora de Philipe Camoin criando sua própria escola a Escuela Internacional de Tarot de Marsella - Le Mat. No seu El Libro de Oro del Tarot de Marsella a primeira edição utiliza o baralho Jodorowsky/Camoin. Já a nova edição lançada por outra editora utiliza o baralho pretensamente denominado de "reconstruído".

Conclusão

Ambos os baralhos não são os Tarôs de Marselha reconstituídos. São Tarôs de Marselha pasteurizados modernos, idealizados por uma premissa de religiosidade nova era, onde você escolhe no que vai acreditar e a quem irá prestar culto, resumindo, um fast-food espiritual.

O problema todo é resumido na pretensão que estes autores têm em reclamar que seus baralhos sejam os verdadeiros Tarôs de Marselha, que sejam os Tarôs com suas características tradicionais restauradas... Pois não é verdade, podem ser ótimos baralhos, bonitos e realizados por pessoas competentes e inteligentes, mas que não revelam antigos segredos esquecidos ou perdidos.

Como não sabemos exatamente como originalmente foram criadas estas imagens, quem reconstrói elas no século XXI, está fazendo escolhas no século XXI. Ao se utilizar vários baralhos diferentes para se chegar a um baralho novo, não se está recuperando a intenção real de seus criadores, até por que não se sabe quem criou o Tarô de Marselha. Nestes dois casos analisados há uma intenção definida ditada por uma teoria ou lenda, forçando as imagens a terem um determinado aspecto. 

O novo homem sendo forjado no atanor através do ovo alquímico.
De costas está Jodorowsky, no papel do judeu/alquimista,
no filme Montanha Sagrada, de 1973.
Conhecendo um pouco da obra artística de Jodorowsky (principalmente o filme Montanha Sagrada) entende-se que desde muito tempo o autor é atraído à simbologia alquimista. Já sua abordagem terapêutica (a Psicomagia e a Psico-genealogia) dá a pista de como esse projeto começou, em algumas conferências Jodorowsky mencionou o valor terapêutico da trampa sagrada, ou seja, mesmo uma mentira pode ser valiosa quando pode curar alguém. E é público o estado de Philippe (dito Camoin) antes do lançamento deste baralho: estava recluso em sua casa e o único contato que mantinha com o mundo exterior era através da televisão. Se o objetivo público de lançar um Tarô de Marselha reconstituído não foi alcançado, ao menos o objetivo privado foi muito bem atingido.


Fontes Pesquisadas

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Em Busca do Baralho Perfeito IV... (uma comparação) - parte 1

Jodorowsky/Camoin
Na busca do baralho perfeito comecei uma comparação entre o Tarô publicado pela Heron (que já havia comentado  aqui)  com o baralho restaurado por Jodorowsky-Camoin... Ainda não disponho dos baralhos de Flornoy para realizar qualquer comparação ou estudo. Porém não esperava que isso fosse dar tanto pano para manga. E confesso que o resultado final foi de pura decepção, principalmente com o baralho de Jodorowsky/Camoin (ao lado) pelo qual nutria diversas expectativas. Claro que essas expectativas foram plantadas pelos mesmos e por todas as resenhas positivas que havia lido em português, pois não economizam tinta para dizerem que a dupla fez um trabalho de resgate da “pureza” e da “Verdade Tradicional” do Tarô de Marselha. Quanto mais eu pesquisava, mais verificava que é sim, um belíssimo Tarô de Marselha, mas que não tinha nada a ver com o que pregavam. Tentarei, em dois posts, ser o mais claro possível, condensando meus mais de dois meses de pesquisa.

Informações oficiais sobre o baralho de Jodorwsky/Camoin podem ser encontradas no Clube do Tarô e no próprio site reservado ao baralho da dupla em português.

Heron
O Tarô de Marselha da Heron (à direita) é uma foto-reprodução da cópia preservada na Biblioteca Nacional da França da impressão de 1760 de Nicolas Conver.

Encarnando o Diabo...
Na mesma semana em que comecei este trabalho recebi de um amigo um link para uma série de 22 vídeos: Las Fuerzas Vivas del Tarot. Onde Encarna Sánchez encarna cada um dos personagens dos Arcanos Maiores. Ela apresenta reproduções grandes das cartas do Tarô de Marselha com fundo dourado escuro. Na série de vídeos ela dialoga com as ilustrações, desenvolve situações que relembram o significado e a possível origem das cartas. 

De acordo com ela o baralho apresentado é o baralho marselhês por excelência, pois está com seus "antigos ícones reconstruídos". A mesma proposta de Camoin e Jodorowsky. E não tem como negar, as imagens dos dois baralhos são muito parecidas. Porém, alguns detalhes do baralho da dupla espanhola não está presente no baralho de Jodo/Camoin. No seu site oficial Le Mat - Escuela Internacional de Tarot de Marsella, há alguns comentários sobre suas vantagens, mas nada que explique como essa reconstituição foi realizada.
CBD Tarot de Marseille -
o Tarô de Conver
 restaurado por
Yoav Ben-Dov

Transformei os vídeos para DVD e assim consegui comparar os três baralhos ao mesmo tempo. Coloquei na parada também as imagens digitais da recente restauração realizada pelo israelense Yoav Ben-Dov, que foi aluno de Jodorowsky, o CBD Tarot de Marseille.

Apresento minhas observações:

Todos os quatro baralhos são bem semelhantes tanto no uso de cores, quanto ao posicionamento e gestos dos personagens. Só são iguais o Tarô da Heron e a restauração de Yoav Ben-Dov. O que me faz acreditar que o israelense usou exatamente estas cartas para realizar sua restauração, isso ficou evidente com a comparação entre as Torres de ambos. Há um esfumaçado que permaneceu na versão de Yoav. Ele também tem alguns vídeos no Youtube, onde diz que a modificação que fez foi no traçado dos rostos dos personagens. 

Questionado em um fórum gringo sobre Tarô ele respondeu que “esta não é uma replica do original de Conver, mesmo tentando ser o mais fiel possível ao original, adaptei as imagens para as novas técnicas de impressão e para as sensibilidades visuais da atualidade: cores mais vividas, linhas mais suaves e expressões humanas mais leves".

Uma conclusão já é possível: o baralho restaurado por Yoav Ben-Dov é uma reprodução fiel ao gravado por Nicolas Conver em 1760. Há adaptações, mas nada é adicionado ou subtraído das imagens.
A esfinge no baralho de
Rodés/Sanchez

Agora me intriga os detalhes que os baralhos de Jodorowsky e de Sanchéz possuem, às vezes os detalhes que ora estão presentes em ambos ora estão em somente um. Os dados do Mago, a porta da Maison-Dieu, o ovo do Imperador e da Papisa não estão nas tábuas de Conver e quem for atrás irá verificar que ou vieram de outros baralhos nem tá antigos e que outros detalhes foram adicionados. No vestido da Papisa de Sánchez, há um detalhe que não há em nenhum outro, que seria uma Esfinge (que meda!). Porém em nenhum momento, ninguém diz de onde vieram estes detalhes.

E foi aí que complicou tudo, se estes símbolos não estão em Conver, o que estão fazendo nestes baralhos? Como as explicações nos sites de ambos são insuficientes parti para a pesquisa.

Para não alongar demais, esse post continua amanhã, com tudo o que descobri sobre os baralhos de Jodorowsky/Camoin e de Rodés/Sanchéz.