terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Guillaume Postel, os quatro elementos e o Tarô - um erro.


Quando chegou à minha mão o livro Tarô, Ocultismo & Modernidade do Nei Naiff, debulhei a leitura para ver se encontrava o que estava me intrigando desde esse post. Ou seja, à procura de maiores detalhes sobre a relação dos quatro elementos com os quatro naipes do Tarô que Postel foi, supostamente, o primeiro a definir.  E mais importante ainda: seria uma relação estudada trezentos anos antes de todos os outros ocultistas que - em grande parte e na minha opinião - mais confundiram do que explicaram o Tarô! Infelizmente Naiff não dá maiores detalhes de como esta proposta foi realizada por Postel, tampouco diz em qual edição de Clavis Absconditorum ele consultou. Sua tese é que somente Eliphas Levi irá reabilitar e dar o devido crédito à Postel, isso quase no fim do século XIX.

Porém em todas as fontes que pesquisei, não encontrei nada que diga que Postel sequer conhecia o Tarô. Na minha opinião é um pequeno erro de apreciação que Naiff cometeu e não tira a credibilidade muito menos a relevância de seu trabalho, que é justamente a de desmitificar o universo do Tarô e de esclarecer sua história.

No "Prefácio Biográfico" assinado por Arthur Edward Waite em 1896 para o livro de Lévi: Dogma e Ritual de Alta Magia (que não consta no livro da edição brasileira da Editora Pensamento). O inglês comenta ironicamente que Lévi gostava de percorrer as obras e não de aprofundar-se nelas e continua:
"Um dos trabalhos mais citados por Lévi e com maior reverência é o trabalho de Postel, porém Lévi nunca se deu ao trabalho de verificar que a chave que lhe era tão cara era na verdade um adendo de uma edição posterior". - (Tradução minha de uma edição em inglês).
O editor em questão foi Abraham von Frankenberg, que adicionou esta chave (abaixo) em 1646, como uma interpretação pessoal do que Postel escreveu em 1546. Porém, que fique claro, nem Postel nem Frankenberg deteram-se sobre o Tarô. Essa suposta ligação é feita por uma interpretação errônea de Eliphas Lévi. 

Chave de Frankenberg, que Lévi considerou como sendo de Postel. Que posteriormente foi reinterpretada pelos ocultistas do século XIX como Papus, Zain e Waite.
Assim Levi interpreta a tal chave:
"Os verdadeiros iniciados, dizemos nós, que conservam o segredo do tarô entre os seus maiores mistérios, se guardaram de protestar contra os erros de Etteilla, e não o deixaram revelar, mas velar de novo o arcano das verdadeiras clavículas de Salomão. Por isso, não é sem profunda admiração que achamos intacta e ignorada ainda esta chave de todos os dogmas e filosofias do mundo antigo. Digo uma chave, e é realmente uma, tendo o círculo das quatro décadas para anel, a para haste ou corpo a escada dos 22 caracteres, depois para dentes os três graus do ternário, como o entendeu e figurou Guilherme Postel, na sua Chave das Coisas Ocultas desde o Começo do Mundo, chave da qual indica o nome oculto e é conhecida unicamente pelos iniciados [à esquerda]
palavra que se pode ler Rota, e que significa a roda de Ezequiel, ou Tarô, e então é sinônimo do Azoth dos filósofos herméticos. É uma palavra que exprime cabalisticamente o absoluto dogmático e natural; é formado dos caracteres do monograma de Cristo, de acordo com os gregos e hebreu".


De acordo com Michael Hurst, aqui: "Eliphas Levi elaborou uma ficção no século XIX, sobre uma ilustração do século XVII, para um livro [de Postel] do século XVI." E muitos ocultistas querem justificar tudo isso no século XXI. 

Nesta página aqui, há um artigo que comenta sobre essa confusão e as possíveis inspirações que Frankenberg teve para a dita chave.

Quanto as considerações de Naiff, acredito que ele tenha se baseado em Papus. Este em O Tarô dos Boêmios, ao desenvolver as relações entre as figuras dos Arcanos Menores, seus naipes e ao Tetragrama sagrado, relembra Postel e Levi:
"Todos os autores que estudaram o aspecto filosófico do Tarô reconhecem unanimemente a correspondência entre o tetragrama e os quatro naipes. Guilherme Postel, e sobre tudo Eliphas Levi, desenvolveram estes estudos com proveito mostrando-nos como as quatro letras do tetragrama são aplicadas ao simbolismo de todos os cultos". - (Tradução minha de uma edição em espanhol).
Pelo teor das conclusões de Papus, me parece que Naiff  tenha retirado destas páginas o que ele considerou ser de Postel.

Quem quiser e tiver culhão sagacidade para isso, pode verificar o original Clavis Absconditorum a Constitutione Mundi (Chave para coisas ocultas desde a fundação do mundo), em latim, na Biblioteca Nacional da França. Se não funcionar tem este outro link.

O que me intriga é que Arthur Edward Waite mesmo sabendo desta confusão perpetuou a falha quando comissionou com Pamela Smith a realização de seu Tarô. A dupla referendou tal ligação com o Arcano Maior de número dez, A Roda da Fortuna. Por que Waite? Porquê?

De acordo com Papus esta é: A Chave 
Absoluta para a Ciência Oculta.
Quase toda a viagem de Lévi está aqui: as
criaturas de Ezequiel, ROTA,
Tetragrama e os símbolos
alquímicos.





















Isso tudo toma dimensões insanas surrealistas quando se vê gente publicando essas chaves (Frankenberg, Zain, Papus e Waite, misturando com suástica, tibetanos e templários) e interpretando-as para dizer que encontrou um código para o dia do juízo final. Não vou dar o endereço do rapaz aqui, porque ele não merece, merece o hospício ou algum medicamento... Mas é interessante verificar como pega, essas conversas de conspirações, segredos, "estão ocultando isso de você" etc.

Concluindo...

Através das fontes pesquisadas é possível concluir que Postel não é o primeiro ocultista a estudar o Tarô e por isto nenhum outro ocultista trouxe à tona sua obra relativa às cartas, a não ser através de Eliphas Levi que apressadamente construiu essa relação. Será Papus em O Tarô dos Boêmios que irá fazer a relação direta entre as letras do nome de Deus, os quatro elementos e os naipes do Tarô.

Por enquanto, não há evidências de que o Tarô tenha sido tratado por algum hermetista, cabalista, astrólogo ou filósofo anterior aos apontamentos de Court de Gebelin e do conde de Mellet.

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